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 proposta de isenção do IPI para pessoas com 60 anos ou mais na compra de veículos novos tem sido apresentada como um gesto em direção à mobilidade. Ao reduzir o custo de aquisição de automóveis, a medida busca ampliar o acesso a um bem que reforça a autonomia e melhora a qualidade de vida. Mas a mobilidade, nesse caso, não se resume ao ato de dirigir. Para quem vive o envelhecimento como realidade concreta, mobilidade é, além de poder ir e vir — conseguir continuar: seguir ocupando a cidade, mantendo os vínculos sociais, preservando a liberdade de ritmo e escolha.

Além de facilitar o acesso ao carro, é necessário viabilizar estruturas que sustentam o percurso

Nesse sentido, o incentivo fiscal pode até facilitar o primeiro passo, mas não resolve o trajeto. A condução segura e a sensação de pertencimento ao espaço urbano dependem de estruturas mais amplas — não apenas de políticas públicas, mas também de serviços que compreendam as particularidades dessa fase da vida. É claro que facilitar o acesso ao carro é um passo importante, mas manter a mobilidade ativa exige estruturas que sustentam o percurso.

Geração 60+ tem poder de consumo para gastar 15 trilhões até 2030

O ponto de partida, nesse caso, é reconhecer o peso dessa faixa etária no tecido social e econômico atual. De acordo com um relatório da The Brookings Institution, os consumidores com 60 anos ou mais movimentaram cerca de 8,7 trilhões de dólares em 2020, e a expectativa é de que esse número ultrapasse os 15 trilhões até 2030. Esse volume de consumo, no entanto, não deve ser interpretado apenas como indicador de poder aquisitivo, mas como sinal de mudança estrutural nas relações de mercado: envelhecer já não equivale a sair de cena.

Motoristas com mais de 60 anos têm acesso a apólices com valores até 30% inferiores

No setor de seguros, esse deslocamento começa a gerar alguns efeitos. Um deles é o custo mais acessível de apólices voltadas a condutores com mais de 60 anos. Em algumas situações, os valores podem ser até 30% mais baixos, reflexo de padrões de uso mais moderado e históricos de direção mais cautelosos. Essa lógica, baseada na menor exposição ao risco, contribui para a formulação de ofertas que barateiam o seguro e o tornam mais compatível com os hábitos e necessidades desse grupo.

Movimento dos seguros para adequar coberturas, canais de atendimento e recursos digitais à realidade desse público 

Além do ajuste nos preços, há um movimento de personalização de produtos — não no sentido da segmentação publicitária, mas da tentativa de adequar coberturas, canais de atendimento e recursos digitais à realidade de um público que já não se deixa capturar por estereótipos. Assistência 24h com protocolos mais acessíveis, aplicativos com navegação simplificada e possibilidade de contratação por meios híbridos (digitais e presenciais) estão entre as iniciativas que apontam para uma escuta mais ativa do setor às demandas dessa população. 

Exemplo prático disso foi a iniciativa “Sou Digital” do Grupo Bradesco Seguros em parceria com o Instituto Razões Para Acreditar. O projeto foi idealizado com o objetivo de promover a inclusão digital de idosos e mostrar que a tecnologia pode ser usada de maneira fácil, útil e conveniente. 

A discussão sobre inovação pode transcender o território habitual da tecnologia ou da disrupção

É preciso pensar o seguro como um recurso de permanência para conseguir deslocar a discussão sobre inovação para fora do território habitual da tecnologia ou da disrupção. Em vez de se apresentar como ruptura, a inovação, nesse contexto, opera como sustentação: amplia possibilidades de continuidade, reforça vínculos com a mobilidade e torna o serviço mais sensível às dinâmicas do envelhecimento. Não se trata de criar algo novo, mas de escutar o que já mudou — e responder com coerência.

É nesse movimento que surgem ajustes discretos, mas relevantes. Alguns seguros têm incorporado serviços que extrapolam a lógica patrimonial e se aproximam da ideia de apoio cotidiano: cobertura para transporte assistido, acompanhamento remoto em emergências, assistência técnica em casa. São arranjos que reconhecem que o risco não se concentra apenas no evento extremo, mas também na fragilidade das rotinas.

O seguro pode passar a ocupar um lugar menos associado ao susto e mais à sustentação

Há também, em certos casos, uma reformulação silenciosa nos critérios de análise de risco. A idade, embora ainda central, começa a ser lida em combinação com padrões de uso, regularidade na condução, tipo de trajeto e até tecnologias embarcadas no veículo. O que antes era interpretado de maneira uniforme — como fator de limitação — pode, progressivamente, ser compreendido com mais nuances.

Essas mudanças não configuram um novo modelo, nem pretendem encenar um futuro. Elas revelam que o setor tem, em alguns de seus segmentos, a capacidade de operar transições sem alarde: transformações que não precisam ser declaradas como tal, mas que se tornam perceptíveis na forma como o seguro passa a ocupar outro lugar na vida dos consumidores. Um lugar menos associado à emergência e mais vinculado à permanência. Menos ao susto, mais à sustentação.

Os seguros poderão ajudar na manutenção da mobilidade como expressão concreta de autonomia

O desafio, portanto, vai além de identificar o idoso como um “novo consumidor” e passa por compreendê-lo como sujeito cujas escolhas e hábitos não se acomodam a antigos pacotes. A proposta de isenção, se aprovada, poderá servir como ponto de partida. Mas será no refinamento das respostas estruturais, públicas e privadas, que a mobilidade dos 60+ poderá deixar de ser um privilégio eventual para se tornar parte de um direito mais amplo: o de permanecer em circulação com segurança, dignidade e pertencimento. Nesse percurso, o setor de seguros tem a chance de participar como fornecedor de coberturas e como agente de sustentação. Pode se tornar uma presença estratégica na manutenção da mobilidade como expressão concreta de autonomia. É essa transição, menos visível e mais complexa, que define o tom realista de uma inovação.

Postado em
8/4/2025
 na categoria
Inovação

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