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os últimos anos, a vida digital se tornou profundamente entrelaçada com a vida real, influenciando praticamente todos os aspectos do cotidiano moderno. Nas esferas da comunicação e dos relacionamentos, as redes sociais e aplicativos de mensagens transformaram a forma como as pessoas se conectam umas com as outras, permitindo manter laços com pessoas de todo o mundo e alterando a natureza dos relacionamentos pessoais e profissionais. No âmbito do entretenimento, as plataformas digitais mudaram a maneira pela qual as mídias são consumidas, desde filmes e músicas até jogos e livros eletrônicos, criando novas formas de lazer e comunidades de interesses compartilhados. 

Cientistas tentam medir impacto político das redes sociais

A vida digital passou a ter também uma grande importância na participação cívica e política, proporcionando plataformas para discussões públicas, engajamento cívico e mobilização social por meio de campanhas online, petições e discussões sobre políticas públicas. A relevância política das mídias digitais na política global é tão considerável que cientistas estão tentando  medir o nível desse impacto.

Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais em todo o mundo

No país, o entrelaçamento da vida digital com a vida real é mais simbiótico que na maioria dos outros países: o Brasil é o terceiro que mais consome redes sociais em todo o mundo, de acordo com um levantamento da Comscore, empresa especializada em análises de conteúdo online. A análise “Tendências de Social Media 2023” da empresa demonstrou que, em 2022, as plataformas online YouTube, Facebook e Instagram foram as categorias mais consumidas. Já em 2023, segundo pesquisa realizada pela agência We Are Social, a rede mais utilizada foi o WhatsApp, seguida novamente pelo YouTube e Instagram. 

85% da população está online

De acordo com a pesquisa, são mais de 181 milhões de pessoas online no país, o que corresponde a 85% da população. Ademais, a pesquisa apontou que o engajamento nessas plataformas sociais excedeu a quantidade de tempo gasto em diversas categorias, incluindo serviços, entretenimento, trabalho, presença de empresas, comércio varejista, finanças e mais. Esses números demonstram que a fusão entre o digital e o real ressalta o impacto das mídias sociais na forma de viver das pessoas. A questão é que se a maior parte da vida das pessoas está no digital, o legado da vida digital é também muito importante. 

O que é legado digital?

Quando se fala em legado digital, é comum que a primeira associação seja relacionada às criptomoedas, mas apesar de esses ativos também fazerem parte desse tipo de legado, eles são apenas uma parte dele. O legado digital tem um sentido mais amplo e, de acordo com especialistas, é “a somatória das posses digitais que você deixou para os outros. Como a mudança para o digital continua, as posses digitais deixadas se tornarão a maior parte do seu legado”. Nesse sentido, cabe ressaltar que os ativos digitais são: todos os emails e documentos em formatos digitais (imagens, áudios, vídeos etc.) de posse de um usuário. Contas digitais se referem a contas de e-mail, redes sociais, mídia social, licenças de software, gestão financeira, registro de domínio, serviço de nome de domínio, alojamento web, preparação de serviços, lojas online, programas de afiliados e qualquer outro tipo de conta online que já exista ou possa vir a existir. O conjunto desses bens digitais do usuário que ficam como posses de um ou mais herdeiros é a herança digital de um indivíduo.

Caso da cantora Gal Costa é exemplo real da importância do legado digital

A cantora Gal Costa, falecida em novembro de 2022, tinha uma conta no instagram com quase 1 milhão de seguidores que passou a ser administrada pela viúva e também empresária da artista após o seu falecimento. No entanto, em janeiro do ano passado, a empresária publicou uma foto dela mesma, ao lado de um cachorro, no perfil oficial da artista sem nenhum contexto. O post foi bastante criticado pelos fãs e amigos da artista que entenderam a ação como um desrespeito à memória da artista e um modo de se autopromover às custas do engajamento que o número de seguidores poderia lhe trazer. 

Esse caso demonstra de maneira concreta que o legado digital está intrinsecamente ligado à identidade da pessoa e se constrói ao redor da memória dela, tornando-se um patrimônio digital. Fato este que levanta a questão de como as pessoas podem proteger seus legados digitais e de que forma as seguradoras podem agir para ajudá-las.

Como proteger o legado digital

As diretrizes sobre herança digital ainda são limitadas, por isso, há poucas coisas que o usuário pode fazer para proteger o seu legado. Certos provedores de domínio permitem a transferência de propriedade para um familiar direto mediante a apresentação dos documentos apropriados, como é o caso do Facebook, por exemplo. Outras plataformas começaram a adotar políticas parecidas, porém o acesso a determinados ativos digitais, como e-books, filmes, músicas ou outras compras online, permanece restrito ao herdeiro designado. 

Projeto de lei pode regulamentar a herança digital

Já existe um projeto de lei que começou a tramitar no Senado Federal tem como objetivo a regulamentação de herança digital. O PL 365/2022 cria regras sobre a posse e gestão de documentos digitais e contas na internet após a morte do usuário e define herança digital como o “conjunto de informações, dados, sons, imagens, vídeos, gráficos, textos, arquivos computacionais e qualquer outra forma de conteúdo de propriedade do usuário”. O projeto de lei visa estabelecer que a sucessão relacionada à herança digital poderá ser registrada por testamento ou por meio dos próprios aplicativos de internet que oferecerem essa funcionalidade. Por enquanto, o projeto ainda não foi votado e os usuários das mídias sociais permanecem com pouca proteção em relação a essa parte importante de sua vida, memória e patrimônio.

Falta de proteção é ainda mais grave para os influenciadores digitais

A questão da falta de proteção para o legado digital se torna mais grave quando se trata de quem dedica a vida a produzir conteúdo digital, os chamados influenciadores digitais, já que o legado digital deles pode valer milhões. São eles que movimentam a Creator Economy, também chamada de Economia Criativa. Várias pesquisas destacam a importância da produção de conteúdo digital na criação de renda e postos de trabalho. Uma pesquisa realizada em 2023 pela consultoria YOUPIX revelou que existem cerca de 20 milhões de criadores de conteúdo no Brasil e que 75% dos jovens brasileiros aspiram a se tornar criadores de conteúdo ou influenciadores digitais como carreira futura. 

Seguradoras podem aproveitar essa lacuna de mercado para desenvolver soluções específicas

Em um relatório recente da Oxford Economics, estima-se que, só em 2022, o ecossistema criativo vinculado ao YouTube contribuiu com cerca de R$4,5 bilhões para o PIB do Brasil, levando em conta a renda das famílias dos criadores, a fundação de novas empresas e parcerias estratégicas, resultando na geração de mais de 140 mil empregos diretos no país. Com tanto valor monetário e social atrelado diretamente às mídias digitais, as seguradoras podem aproveitar essa lacuna de mercado para desenvolver soluções específicas que abordam tanto a gestão de seus ativos digitais quanto a continuidade do seu legado digital na ausência de um "testamento virtual".

Seguro de continuidade de negócios digitais

Com a oportunidade única de atender às necessidades específicas dos influenciadores digitais, as seguradoras podem oferecer apólices que garantam a continuidade dos negócios digitais após o falecimento do cliente. Um produto inovador nesse segmento pode ser o seguro de continuidade de negócios digitais, que cobriria a operação e gestão temporária do conteúdo digital. Além disso, a criação de planos de sucessão de emergência  que possam ser ativados na ausência de um testamento digital, assegurando que os canais de mídia social e outros ativos digitais sejam administrados adequadamente até que decisões definitivas possam ser tomadas.

Custódia para ativos digitais

Diante do desafio de transferir propriedade digital, as seguradoras podem oferecer serviços de custódia para ativos digitais, garantindo a preservação do conteúdo e dos direitos associados. A complexidade legal envolvida na transferência desses ativos também demanda que as seguradoras forneçam acesso a consultoria jurídica especializada. Esse tipo de proteção assegura que a transição ocorra de maneira fluida e conforme as leis de herança e privacidade.

Parcerias com plataformas de mídia social

Estabelecer parcerias com plataformas de mídia social pode simplificar o processo de execução de planos de sucessão digital ou de transformação de perfis em páginas de memorial. Ao mesmo tempo, iniciativas de conscientização sobre a importância do planejamento digital antecipado e o fornecimento de ferramentas para a criação de diretrizes claras de sucessão podem ajudar os influenciadores a prepararem-se melhor para o futuro. 

Oportunidade para as seguradoras desenvolverem soluções específicas que endereçam a proteção pós-vida do legado digital

Diante de todo o exposto, fica claro que a proteção do legado digital tornou-se um grande desafio. O exemplo da cantora Gal Costa ressalta a complexidade dessa questão, mostrando que o legado digital é um reflexo da identidade e memória de uma pessoa, constituindo um patrimônio que necessita de cuidados específicos. Apesar da relevância desse tema, a ausência de regulamentação específica deixa uma lacuna na proteção desses ativos digitais, fato que é particularmente preocupante para influenciadores digitais, cujas vidas e carreiras estão intimamente vinculadas ao espaço digital. 

Essa lacuna de proteção pode se tornar uma oportunidade para as seguradoras. Ao desenvolver soluções específicas que endereçam a proteção pós-vida do legado digital, os players de seguros podem atender a uma demanda urgente e contribuir para a preservação da memória digital dos grandes astros e estrelas das plataformas de mídia digitais, assegurando que o patrimônio digital seja devidamente gerido e protegido, alinhando-se com as necessidades digitais contemporâneas da sociedade brasileira e abrindo mais oportunidades para o mercado de seguros.

Postado em
22/3/2024
 na categoria
Inovação

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