E

ntre a agilidade dos sistemas e o silêncio da escuta

Automatizar processos, identificar padrões, agilizar análises e expandir a escala da operação: a inteligência artificial chegou ao setor de seguros carregada de promessas — muitas das quais já estão em curso. Não é novidade que a adoção de soluções baseadas em inteligência artificial permite que as seguradoras transformem ideias em soluções com mais rapidez e precisão. Do lado operacional, a tecnologia vem permitindo o redesenho de fluxos, a prevenção de fraudes e o fortalecimento das análises preditivas. Do lado comercial, tem oferecido respostas mais rápidas e ofertas mais precisas, com base em perfis de uso e comportamento. 

No entanto, a digitalização dos seguros não avança apenas sobre estruturas técnicas. Ela impõe uma nova gramática de relacionamento, na qual o cliente também passa a conviver com atendimentos automatizados, respostas algorítmicas e jornadas digitais que, embora eficientes, nem sempre acolhem. 

Até que ponto a tecnologia aproxima, em vez de apenas organizar?

Nesse movimento de automatizar processos, IA também permite que os corretores de seguros escolham com mais facilidade os produtos que melhor atendem às necessidades dos segurados. Mas o quanto essa facilidade é percebida pelo cliente como vantagem? E até que ponto a tecnologia aproxima, em vez de apenas organizar? Com tantos ganhos operacionais, cresce também a necessidade de garantir que esses avanços não comprometam valores subjetivos como empatia, escuta e confiança — fundamentos que continuam a orientar a experiência do segurado, sobretudo em momentos de fragilidade, como a comunicação de um sinistro. O desafio agora é equilibrar esses elementos.

O desafio da empatia e da confiança

Apesar desses avanços, a experiência do cliente ainda é um ponto crítico. Mesmo com os avanços tecnológicos, a experiência do cliente continua sendo um ponto sensível no setor de seguros. Segundo uma matéria do InfoMoney, a maior parte dos brasileiros estão insatisfeitos com o processo de sinistro – etapa em que o acolhimento humano é indispensável. Os principais motivos incluem a complexidade para solicitar a indenização e a falta de transparência sobre o andamento do processo, ambos citados por 37% dos entrevistados. Além disso, 30% apontam a ausência de empatia no atendimento, o que agrava a frustração em um momento emocionalmente delicado. Esse cenário mostra que o uso da inteligência artificial, se não for bem implementado, pode aumentar a percepção de frieza e distanciamento, afastando o cliente em vez de aproximá-lo.

Estudo aponta que consumidores não estão convencidos dos benefícios da IA

Uma pesquisa da GlobalData revelou que, mesmo com relatos positivos de uso, a confiança na IA segue como uma barreira importante — especialmente em áreas sensíveis como análise de riscos e liberação de indenizações. Questões como transparência nas decisões e proteção de dados pessoais continuam alimentando o ceticismo do público. Para muitos, a percepção é de que a tecnologia ainda não está madura o suficiente para ser amplamente adotada. Conforme a matéria do portal Notícia do Seguro, a adoção da inteligência artificial no setor de seguros demanda atenção especial a aspectos críticos. Entre eles estão a necessidade de garantir algoritmos justos e transparentes, evitando discriminações no processo de avaliação de riscos, e o compromisso com a proteção de dados, especialmente diante de leis como a LGPD. Além disso, a automação impulsionada pela IA pode impactar postos de trabalho, exigindo que as seguradoras conciliem inovação com responsabilidade social. Também cresce a exposição a riscos cibernéticos, o que torna essencial investir em segurança digital e novas coberturas. Por fim, o ritmo acelerado da tecnologia impõe o desafio de acompanhar regulações que assegurem o uso ético e responsável da IA.

Decisões corretas, percepções frágeis

A confiança, no contexto do parágrafo acima, já não depende apenas do atendimento direto, mas da transparência do sistema como um todo — da explicação clara de como decisões são tomadas até da percepção de imparcialidade nos critérios utilizados. Quando uma indenização é negada por um algoritmo, ou quando a resposta automática parece insensível ao contexto emocional do segurado, o custo reputacional para a marca pode ser alto, mesmo que tecnicamente tudo esteja correto.

Treinar máquinas sem desligar a escuta

Essa dissonância entre precisão técnica e experiência emocional tem exigido das seguradoras uma postura mais cuidadosa na hora de implantar novas ferramentas. É preciso que a tecnologia seja treinada não apenas para reconhecer padrões estatísticos, mas para operar em sintonia com as expectativas humanas. Isso implica em redesenhar processos com foco em acessibilidade, linguagem clara, canais híbridos e, principalmente, atenção ao tempo e à escuta — aspectos que nenhuma automação deve substituir por completo.

Tecnologia vs humanização

A IA não resolverá todas as questões no setor de seguros, e o cenário global reforça o desafio das seguradoras em equilibrar o avanço tecnológico com estratégias que construam confiança e garantam uma experiência mais segura e transparente para o cliente. Para superar esse descompasso, é necessário mudar a perspectiva: em vez de colocar a IA no centro, o foco deve ser o cliente — com a tecnologia atuando como meio, e não como fim. Isso significa adotar modelos híbridos, em que a inteligência artificial fortalece a atuação dos profissionais humanos, oferecendo suporte, contexto e agilidade para decisões mais empáticas e eficazes. 

Humanizar a tecnologia: o elo necessário para o futuro dos seguros

A inteligência artificial já não é mais uma promessa futura — ela é realidade no presente das seguradoras. Sua capacidade de acelerar processos, reduzir custos e personalizar produtos em escala é inegável. A receita está em como essa tecnologia é aplicada, que deve ser usada não como substituta, mas como aliada, utilizando o poder dos dados e dos algoritmos para ampliar o cuidado. Colocar o cliente no centro das decisões não significa renunciar à inovação, mas utilizá-la com propósito. A empatia, a confiança e a transparência continuam sendo valores indispensáveis, especialmente em momentos críticos como o acionamento de sinistros. Quando bem dosada, a IA pode ser a ponte entre eficiência e cuidado, automatização e acolhimento. A tecnologia pode até processar milhares de informações em segundos, mas é a sensibilidade humana que transforma esse potencial em valor real para o segurado.

Postado em
22/4/2025
 na categoria
Tecnologia

Mais sobre a categoria

Tecnologia

VER TUDO