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os últimos anos, seguradoras e pesquisadores vêm apostando em soluções inovadoras que incentivam comportamentos mais responsáveis, utilizando desde sensores inteligentes até dispositivos vestíveis que monitoram a saúde do usuário em tempo real. Entre essas iniciativas, a gamificação tem se mostrado um recurso eficiente, ao transformar hábitos cotidianos em desafios que estimulam atitudes mais prudentes. Esse conceito, amplamente utilizado em diferentes áreas, vem sendo incorporado ao setor de seguros para promover mudanças comportamentais que vão além da simples redução de custos para as empresas, alcançando impactos concretos na prevenção de acidentes e problemas de saúde.

Gamificação tem princípio de premiar boas condutas

A lógica por trás da gamificação aplicada aos seguros parte de um princípio simples: premiar boas condutas. Tradicionalmente, seguradoras operavam com um modelo baseado exclusivamente na avaliação de risco retrospectiva, em que fatores como idade, histórico de infrações e perfil do condutor determinavam o preço do seguro. No entanto, com o avanço da tecnologia, tornou-se possível monitorar o comportamento dos motoristas em tempo real e oferecer benefícios proporcionais às suas práticas ao volante. A seguradora Justos, por exemplo, utiliza sensores nos smartphones para avaliar aceleração, frenagens bruscas, curvas fechadas e até o uso do celular durante a condução. Com base nesses dados, os motoristas mais prudentes recebem recompensas, como descontos na renovação do seguro, vouchers e benefícios em programas de fidelidade.

A gamificação no setor de seguros busca transformar a segurança viária em uma escolha vantajosa

O grande diferencial desse modelo é a substituição do tradicional caráter punitivo por um sistema de incentivos positivos. Em vez de apenas penalizar condutas inadequadas, como ocorre com as multas de trânsito, a proposta da gamificação no setor de seguros busca transformar a segurança viária em uma escolha vantajosa. O motorista que se adapta a uma direção mais cautelosa percebe, na prática, os benefícios financeiros de suas escolhas, criando um ambiente no qual dirigir de forma segura se torna mais atrativo do que assumir riscos desnecessários.

App que permite o envio de imagens e descrições detalhadas do acidente diretamente às autoridades competentes

Os impactos da tecnologia na segurança viária não se limitam à esfera individual. A ausência de informações precisas sobre acidentes é um dos principais obstáculos para a eficiência no atendimento de ocorrências no trânsito. Muitas vezes, diferentes serviços de emergência são acionados simultaneamente para um mesmo acidente sem necessidade, sobrecarregando os sistemas de saúde e segurança pública. Para enfrentar esse problema, pesquisadores da Fiocruz Amazônia estão desenvolvendo um aplicativo que permite que testemunhas de acidentes enviem imagens e descrições detalhadas do ocorrido diretamente às autoridades competentes.

App funciona por um sistema de IA

O funcionamento da ferramenta baseia-se no cruzamento de dados enviados por diferentes usuários, analisados por um sistema de inteligência artificial. Ao registrar fotos de vários ângulos e fornecer relatos por texto ou áudio, os próprios cidadãos contribuem para a construção de uma base de informações mais precisa. Com isso, os órgãos responsáveis podem otimizar o envio de equipes de resgate e segurança, garantindo que os recursos sejam direcionados de forma mais eficiente. Embora o aplicativo ainda esteja em desenvolvimento, ele representa um avanço na tentativa de reduzir falhas na comunicação e minimizar o tempo de resposta às ocorrências viárias.

Desenvolvimento do app pode aprimorar a coleta e a análise de informações sobre sinistros no trânsito

O app ainda está sendo desenvolvido, mas se for posto em ampla atividade, ele pode impactar o setor de seguros de diversas formas, principalmente ao aprimorar a coleta e a análise de informações sobre sinistros no trânsito. Tradicionalmente, as seguradoras dependem dos relatos dos segurados, de terceiros envolvidos e, em alguns casos, de laudos técnicos para avaliar acidentes e determinar responsabilidades. No entanto, esses processos podem ser demorados e, por vezes, imprecisos, dificultando a correta avaliação dos danos e a tomada de decisões sobre indenizações e reajustes de apólices. Com a implementação dessa tecnologia, a base de dados gerada a partir de imagens, descrições e áudios coletados em tempo real e com o bônus de ter a “chancela” das autoridades competentes, pode se tornar uma fonte adicional de informações para as seguradoras.

Tecnologia pode permitir uma visão mais detalhada e confiável das ocorrências

Ao cruzar os registros do app com outros dados, como os fornecidos pelos próprios segurados e pelas autoridades de trânsito, as seguradoras podem ter uma visão mais detalhada e confiável das ocorrências. Isso possibilita, por exemplo:

  • Agilidade na análise de sinistros: A inteligência artificial pode auxiliar na triagem de casos e na verificação de informações, reduzindo o tempo necessário para que uma seguradora avalie um pedido de indenização.
  • Maior precisão na apuração de responsabilidades: Com imagens de diferentes ângulos e relatos variados, torna-se mais difícil fraudes em declarações de acidentes, o que beneficia tanto as seguradoras quanto os clientes que dirigem de forma responsável.
  • Possível integração com modelos de precificação dinâmica: Caso as seguradoras tenham acesso a dados agregados sobre os tipos de acidentes mais comuns em determinadas áreas ou horários, podem aprimorar seus cálculos de risco e até mesmo ajustar valores de apólices com base em informações mais detalhadas.
  • Melhoria na prevenção de acidentes: A análise dos dados coletados pode fornecer insights sobre padrões de ocorrências viárias, contribuindo para a adoção de medidas preventivas, como alertas em tempo real para motoristas ou ajustes nas coberturas de seguro em regiões onde há maior incidência de acidentes.

Werables ganham espaço na medicina preventiva, mas enfrentam desafios no Seguro Saúde

A tecnologia também tem sido amplamente explorada no setor de saúde, onde dispositivos vestíveis — os chamados wearables — vêm ganhando espaço como aliados na promoção do bem-estar e da medicina preventiva. A Internet das Coisas (IoT) permite que equipamentos como relógios inteligentes, monitores de glicose e sensores cardíacos coletem e transmitam informações sobre a saúde do usuário em tempo real. Essa conectividade possibilita um acompanhamento mais detalhado da condição física dos indivíduos, permitindo a identificação precoce de alterações que poderiam levar a complicações mais graves.

Ao contrário do que ocorre com os seguros automotivos, onde a gamificação já é uma realidade consolidada, o seguro saúde ainda enfrenta desafios para incorporar plenamente esses dispositivos em suas estratégias. No entanto, algumas operadoras já vêm estudando a possibilidade de oferecer planos mais personalizados com base nas informações coletadas pelos wearables, já que o mercado de saúde digital está bastante aberto para isso. A lógica seria semelhante à aplicada aos motoristas: usuários que demonstram hábitos mais saudáveis — como manter uma frequência cardíaca equilibrada, praticar atividades físicas e adotar padrões de sono regulares — poderiam receber incentivos financeiros ou benefícios adicionais. 

Impactos potenciais podem ser positivos

Embora esse modelo ainda esteja em fase de estudo, os impactos potenciais podem ser positivos. Monitoramentos contínuos podem  ajudar os segurados a manterem uma rotina mais saudável e permitir que médicos e seguradoras identifiquem padrões que indicam riscos de saúde iminentes. Um exemplo disso é o uso de wearables para detectar arritmias cardíacas antes que o paciente apresente sintomas mais graves. Se o dispositivo identificar uma alteração fora do padrão, ele pode enviar um alerta ao usuário e permitir uma ação preventiva, reduzindo a necessidade de tratamentos emergenciais.

Apesar dos benefícios, a adoção dessas tecnologias depende da aceitação do público e da percepção de benefícios reais

Diante dessas transformações, percebe-se que a tecnologia está gradualmente reformulando a relação das pessoas com a segurança no trânsito e na saúde. A gamificação nos seguros automotivos já demonstrou que recompensar boas práticas pode ser um caminho mais eficiente do que simplesmente penalizar condutas inadequadas. O desenvolvimento de aplicativos para otimizar o atendimento a acidentes reflete uma nova forma de colaboração entre cidadãos e poder público, enquanto a evolução dos dispositivos vestíveis abre possibilidades para um acompanhamento mais detalhado da saúde dos segurados. Apesar disso, há algumas questões a serem ponderadas como o fato de a adoção dessas tecnologias depender da aceitação do público e da percepção de benefícios reais. Se os incentivos oferecidos não forem suficientemente atrativos ou se houver receio quanto à exposição de dados pessoais, a adesão pode ser comprometida.

O desafio será encontrar um equilíbrio entre inovação, privacidade e eficiência

O caminho para a popularização desses modelos ainda está em construção (exceto no seguro auto, que já conta com exemplos de grandes players, como a Justos), mas os sinais são claros: a tecnologia tem o potencial de transformar a segurança no trânsito e a saúde preventiva, tornando as decisões individuais mais informadas e responsáveis. O grande desafio será encontrar um equilíbrio entre inovação, privacidade e eficiência, garantindo que essas soluções sejam aplicadas de forma ética e transparente. Se bem estruturadas, essas ferramentas poderão reconfigurar a forma como as pessoas lidam com seguros, criando um ambiente onde a prevenção seja incentivada e os benefícios da tecnologia sejam compartilhados de maneira justa e acessível.

Postado em
24/2/2025
 na categoria
Tecnologia

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