recente investigação aberta pelo Ministério Público da França contra a rede social X, reacendeu o debate sobre a transparência e os efeitos dos algoritmos na circulação de informações. As autoridades francesas suspeitam que a plataforma tenha ajustado seus sistemas automatizados para favorecer determinados conteúdos, influenciando a forma como usuários recebem e interpretam informações. Essa suspeita se insere em um cenário mais amplo de questionamentos sobre o impacto das redes sociais na sociedade e a preocupação com o uso da Inteligência Artificial sem mecanismos claros de supervisão. Enquanto isso, na Alemanha, um tribunal determinou que a plataforma forneça dados para pesquisadores, permitindo uma análise mais detalhada de seus algoritmos.
Implicações do uso opaco de algoritmos atingem setores estruturais da economia, como o mercado segurador
Essa movimentação não se restringe ao debate sobre redes sociais e liberdade de expressão. As implicações do uso opaco de algoritmos vão muito além da moderação de conteúdos e atingem setores estruturais da economia, como o mercado segurador. A forma como essas tecnologias operam pode influenciar diretamente a percepção de risco da população, distorcer processos de precificação e avaliação de segurados e até comprometer a sustentabilidade das seguradoras. O funcionamento dos algoritmos tem sido objeto de críticas de especialistas como Catherine O’Neil, que descobriu,há alguns anos, que os modelos matemáticos dos algoritmos podem facilitar a propagação de notícias falsas e a manipulação por grupos radicais. Já Stuart Russell, professor da Universidade da Califórnia e pioneiro nos estudos da IA, aponta os riscos de um modelo automatizado que prioriza a eficiência sem considerar os impactos colaterais. No setor de seguros, onde a análise de dados é essencial para a definição de políticas, a ausência de transparência pode levar a distorções que afetam tanto consumidores quanto empresas.
Os algoritmos formatam padrões de comportamento e influenciam decisões de consumo, inclusive as que são relacionadas à contratação de seguros
A questão central é que os algoritmos não são apenas ferramentas neutras de organização de dados, eles formatam padrões de comportamento e influenciam decisões de consumo, incluindo aquelas relacionadas à contratação de seguros. A denúncia contra o X levanta a possibilidade de que plataformas digitais estejam manipulando a forma como as pessoas interagem com a informação, reforçando estereótipos e distorcendo percepções sobre segurança e risco. Se consumidores são expostos a conteúdos sensacionalistas sobre crimes ou desastres naturais, por exemplo, podem ser levados a contratar seguros desnecessários ou com coberturas exageradas. Por outro lado, a desvalorização de informações sobre planejamento financeiro e segurança patrimonial pode fazer com que grupos específicos subestimem a importância de certos tipos de seguro, prejudicando sua proteção a longo prazo.
Falta de transparência dos algoritmos podem influenciar a política de segmentação de clientes das seguradoras
Esse impacto não se restringe à tomada de decisões individuais. A falta de transparência na forma como dados são utilizados pelos algoritmos pode também afetar as seguradoras diretamente. Se essas empresas utilizam informações extraídas de redes sociais ou outros serviços digitais para a precificação de apólices e a avaliação de risco, há um risco de que estejam incorporando padrões enviesados, influenciando sua política de segmentação de clientes de maneira pouco ética ou ineficiente. Modelos preditivos baseados em dados distorcidos podem classificar consumidores de forma inadequada, resultando tanto na exclusão de determinados perfis quanto na aplicação de prêmios desproporcionais.
Impactos podem incluir desde a rejeição indevida de clientes até a formulação de políticas de seguro desalinhadas com os riscos reais da sociedade
A preocupação de especialistas como Stuart Russell sobre a falta de mecanismos de supervisão para esses algoritmos também se aplica ao setor de seguros. Se sistemas automatizados são projetados para atingir objetivos específicos sem levar em conta suas consequências, seguradoras que dependem exclusivamente da Inteligência Artificial para análise de risco podem enfrentar desafios inesperados. Isso pode incluir desde a rejeição indevida de clientes até a formulação de políticas de seguro desalinhadas com os riscos reais da sociedade. Assim como nas redes sociais, onde a manipulação de algoritmos pode gerar bolhas informacionais e polarização, no setor de seguros esses sistemas podem reforçar desigualdades e prejudicar grupos que não se encaixam nos padrões predefinidos pelos modelos automatizados.
Conteúdos enganosos ou sensacionalistas, isso pode impactar diretamente a forma como o público percebe sua necessidade de proteção
Outro ponto de atenção é a relação entre desinformação e o comportamento dos consumidores. Se plataformas priorizam conteúdos enganosos ou sensacionalistas, isso pode impactar diretamente a forma como o público percebe sua necessidade de proteção. Uma visão distorcida sobre riscos pode levar a um mercado mal distribuído, em que determinados segmentos contratam seguros excessivamente enquanto outros ignoram proteções essenciais. Para as seguradoras, esse desalinhamento pode comprometer a estabilidade da carteira de clientes, gerando dificuldades na precificação e na sustentabilidade do negócio.
Dilema ético entre seguradoras e algoritmos
Além disso, há um dilema ético envolvendo o uso desses algoritmos no setor. Seguradoras estão entre as empresas que mais investem em análise de dados e Inteligência Artificial, buscando otimizar suas operações e aprimorar sua capacidade preditiva. No entanto, se essas tecnologias forem aplicadas sem critérios claros de transparência e responsabilidade, há o risco de que as próprias seguradoras enfrentem questionamentos semelhantes aos que hoje recaem sobre redes sociais. A possibilidade de que modelos matemáticos sejam utilizados para excluir determinados perfis ou segmentar clientes de forma injusta pode resultar em desafios regulatórios e danos à reputação do setor.
Mercado segurador precisa garantir que o uso da IA seja transparente e alinhado ao interesse dos consumidores
O debate sobre o uso da IA na precificação de seguros já está ganhando força em algumas jurisdições, com movimentos para exigir maior clareza sobre os critérios adotados por seguradoras ao avaliar clientes. Assim como redes sociais vêm sendo pressionadas a explicar como seus algoritmos operam, seguradoras que utilizam modelos preditivos devem estar preparadas para prestar contas sobre suas metodologias. A adoção de mecanismos de auditoria e supervisão pode se tornar um diferencial competitivo para empresas que busquem equilibrar inovação e ética.
Em vista disso, o mercado segurador precisa se antecipar a essas discussões e adotar medidas para garantir que o uso da Inteligência Artificial seja transparente e alinhado ao interesse dos consumidores. Isso inclui investir em auditoria de algoritmos, garantir que modelos preditivos sejam explicáveis e passíveis de revisão e estabelecer diretrizes claras para evitar discriminação ou segmentação injusta. A confiança sempre foi um elemento central na relação entre seguradoras e clientes, e, em um momento em que os riscos da manipulação algorítmica estão sendo amplamente discutidos, preservar essa credibilidade é mais essencial do que nunca.
Medidas concretas podem garantir que a IA fortaleça o setor sem comprometer a equidade no acesso a seguros e a proteção dos consumidores
O inquérito envolvendo o X pode sinalizar uma mudança na abordagem de governos e sociedades em relação à transparência dos algoritmos. Se plataformas digitais começarem a ser responsabilizadas pela forma como suas ferramentas condicionam a percepção pública, outros setores que dependem da análise de dados, como o de seguros, também podem ser alvo de maior escrutínio. Afinal, a tecnologia não foi (e nem deve ser) desenvolvida para criar novas barreiras ou reforçar desigualdades. A automação tem propósitos claros: aprimorar a relação com os clientes, melhorar a eficiência das operações, potencializar resultados e fortalecer a segurança financeira de empresas e clientes. Assim, para que esse potencial seja de fato benéfico, as seguradoras precisam adotar medidas concretas que garantam transparência nos modelos algorítmicos, permitindo auditorias, prevenindo vieses e assegurando que decisões automatizadas sejam justificáveis e passíveis de revisão. Somente assim a IA poderá fortalecer o setor sem comprometer a equidade no acesso a seguros e a proteção dos consumidores.