Inteligência Artificial (IA) vem se consolidando como uma das principais apostas para transformar o mercado de seguros. Em meio ao entusiasmo crescente em torno da tecnologia, muitos líderes do setor têm levantado uma questão fundamental: será que a IA realmente pode resolver todos os desafios do setor? A resposta, como já vem sendo percebida na prática, é mais complexa do que aparenta. A IA tem um enorme potencial, mas não é uma solução mágica que pode ser aplicada de forma indiscriminada. A eficácia da tecnologia depende da função em questão, do momento certo para sua adoção e da forma como ela é integrada à experiência do cliente.
Um dos casos mais emblemáticos dessa discussão é o processo de FNOL (First Notice of Loss) — o primeiro contato do segurado com a companhia após um sinistro. Tradicionalmente, esse processo é conduzido por call centers com operadores humanos, treinados para ouvir, acalmar e orientar o cliente em um momento delicado. No Brasil, isso ainda é muito comum, especialmente nos ramos de auto e residencial, onde o contato humano é valorizado como parte da experiência de acolhimento.
No entanto, avanços recentes em IA conversacional e IA generativa (Gen AI) estão desafiando esse modelo. Chatbots com inteligência avançada já são capazes de simular conversas naturais, coletar informações essenciais do sinistro, tirar dúvidas frequentes e encaminhar o caso para o departamento responsável com agilidade. Algumas seguradoras brasileiras têm testado esse tipo de tecnologia, com bons resultados em sinistros simples e padronizados. A IA conversacional pode, por exemplo, registrar um roubo de carro, confirmar dados da apólice, acionar a assistência e até enviar atualizações automáticas sobre o andamento do processo — tudo isso sem a necessidade de intervenção humana.
Apesar das vantagens em termos de velocidade, escalabilidade e redução de custos operacionais, o desafio está em saber quando e como utilizar essa automação. A confiança do segurado pode ser abalada caso ele sinta que está sendo atendido por uma máquina em um momento de vulnerabilidade, como um acidente grave ou a perda de um ente querido em um seguro de vida. É por isso que muitas seguradoras no Brasil ainda optam por modelos híbridos, onde a IA coleta dados iniciais e agiliza o processo, mas transfere o atendimento para um humano nos momentos mais sensíveis.
Além do FNOL, outras áreas vêm sendo impactadas pela IA, como a subscrição e a detecção de fraudes. Com algoritmos capazes de analisar grandes volumes de dados estruturados e não estruturados, a IA pode identificar padrões de comportamento suspeitos e prevenir fraudes com mais eficiência. No entanto, essas decisões automatizadas precisam respeitar os limites éticos e legais da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que exige transparência e explicabilidade em qualquer processo que envolva decisões automatizadas sobre os clientes.
O uso da Gen AI também começa a se expandir para áreas como o marketing personalizado, criação de conteúdos e respostas em tempo real para corretores e segurados. Ferramentas baseadas em IA generativa podem produzir e-mails, mensagens ou scripts de atendimento sob demanda, adaptando a comunicação ao perfil do cliente e ao estágio do funil de vendas.
Apesar do potencial transformador da IA, é essencial que as seguradoras brasileiras não caiam na armadilha de tratar a tecnologia como um "Windex universal", que serve para resolver qualquer problema, como brinca o artigo original que inspirou essa reflexão. A transformação digital exige estratégia, testes, monitoramento constante e, principalmente, sensibilidade para entender onde a tecnologia realmente agrega valor — e onde o contato humano ainda é insubstituível.
Em resumo, a IA pode — e deve — ser usada para transformar o mercado de seguros, mas sua adoção precisa ser feita com responsabilidade. O segredo não está em substituir pessoas por máquinas, mas em encontrar o equilíbrio ideal entre eficiência automatizada e empatia humana.